terça-feira, 4 de setembro de 2012

Como funciona a roubalheira nas prefeituras

Nos últimos dois anos, a Procap denunciou esquemas de corrupção que afetaram pelo menos sete gestões municipais e repercutem até hoje.


Num jogo de cartas marcadas, as licitações de obras e serviços no Interior se tornaram alvo fácil de empresas fraudulentas que seduzem gestores e servidores municipais. O resultado é corrupção, enriquecimento ilícito e manutenção do poder. A empresa libera os pagamentos concedendo a nota fiscal por serviços não prestados – ou mal prestados, ou ainda realizados por servidores do próprio Município.

O rombo nos cofres públicos pode se originar na contratação irregular da empresa que fornece a merenda escolar, realiza o transporte dos estudantes de escolas municipais, aluga veículos, terceiriza serviços. O mesmo método é repetido não apenas por um, mas por vários esquemas de corrupção apontados e investigados pela Procuradoria dos Crimes contra a Administração Pública (Procap), do Ministério Público Estadual (MPE), em parceria com órgãos controladores estaduais e federais.

Nos últimos dois anos, a Procap denunciou esquemas de corrupção que afetaram pelo menos sete gestões municipais e repercutem até hoje. “A fraude em processo licitatório é a porta de entrada para o cofre onde está o dinheiro público”, assevera o promotor Luiz Alcântara, membro da Procap. As investigações têm apontado que o dinheiro desviado está na conta privada de gestores, parentes de gestores e empresas pertencentes a gestores.

Causas
Mais uma vez, as prefeituras estão no centro das denúncias de corrupção. Segundo os órgãos controladores, há várias explicações para isso. O chefe da Controladoria Geral da União no Ceará, Luiz Fernando Menescau de Oliveira, afirma ter a convicção de que o momento atual, com tantas denúncias de corrupção, reflete maior envolvimento da população, mais transparência, maior acesso aos órgãos controladores e maior engajamento desses órgãos.

Ele reforça a importância da sinergia, que ultrapassa as dificuldades estruturais e segue um plano estratégico pra combater a corrupção. “Cada órgão tem sua expertise. O Ministério Público Estadual (MPE) aciona a Justiça, mas precisa de ajuda no que tange às fiscalizações. Nós, da CGU, podemos fiscalizar recursos federais. Já a Polícia Federal faz levantamentos e investigações. O trabalho está sendo mais efetivo”, argumenta.

Ele elogia o trabalho do Tribunal de Contas dos Municípios, (TCM) que disponibilizou a ferramenta do Portal da Transparência a todos os municípios. “Se temos mais informações, mais transparência, é natural que se encontrem mais problemas relacionados às contas públicas”.

Para ele, o cenário atual revela também mudança de mentalidade. “Sem dúvida, temos hoje o Judiciário acompanhando a evolução das demais instituições, cada vez mais preocupado com os anseios da sociedade”, comemora.

Além do que já foi descoberto, há diversas investigações em andamento. Muito mais coisas estão por vir à tona.

OS RALOS POR ONDE ESCORRE O DINHEIRO

CORRUPÇÃO ALIMENTA CAIXAS DE CAMPANHAS POLÍTICAS

Imagine um município que paga altos valores por serviço de transporte escolar que não é prestado. A empresa venceu a licitação, mas não é proprietária de qualquer veículo. O trabalho não é realizado, mas a nota fiscal é fornecida e o pagamento é efetuado.

Na prática, os veículos que executam os serviços são de pessoas da comunidade, indicadas pelo próprio gestor, que conduzem as crianças em paus-de-arara. A situação não é rara e foi constatada pela Procuradoria dos Crimes contra a Administração Pública (Procap).

Além do desvio de dinheiro público, os promotores explicam que a pessoa que faz o transporte no pau-de-arara sente gratidão pelo gestor que o indicou para fazer o serviço. Às vezes, trata-se da única renda da família. O voto é garantido. “O gestor tem, perversamente, o cabresto, porque faz da população dependente dessa renda”, diz o promotor Eloilson Augusto da Silva Landim, da Procap.

Segundo ele, são essas administrações que garantem os votos que elegem deputados e senadores. “São votos encabrestados que levam até o Senado, Câmara Federal e Assembleia Legislativa ilustres desconhecidos”, argumenta Landim.

Ele afirma ainda que essa avalanche de corrupção se dá em razão do sistema eleitoral brasileiro, no qual o candidato precisa de dinheiro para se eleger. “Aí vem a discussão do financiamento público ou não de campanha. Talvez saia mais barato. Na hora que você tem um gasto privado para que alguém se eleja, esse prejuízo vai ter que ter retorno”, defende.
Caixa dois
O promotor Ricardo Rocha explica que todo esse caixa dois vem sendo formado aos poucos. Ele cita uma operação que apreendeu cerca de R$ 3,5 milhões juntos. “Os envolvidos vão juntando para usar exatamente na campanha”. O promotor Luiz Alcântara reforça a fragilidade do sistema eleitoral. Pelas investigações que vêm sendo realizadas, ele identifica que há aumento na contratação de empresas em período pré-eleitoral. Mas isso não significa que em outros períodos eles não estejam alinhados em arrecadar recursos para as campanhas. “A mentalidade é se perpetuar o maior tempo possível. Se é possível permanecer oito anos, vai permanecer”, explica.

Nesse ponto, Alcântara questiona a vinculação política com um serviço transporte de péssima qualidade, com a formação de caixa dois, com esquema de corrupção e vai além. “Nas nossas investigações, em algumas circunstâncias, nós identificamos que essas pessoas (proprietários de empresas fraudulentas), que em alguns casos são presas, são doadoras de campanha de alguns ilustres investigados que sempre se declaram inocentes e desconhecedores dos fatos”, sustenta o promotor.

Segundo os membros da Procap, todas essas investigações podem resultar em candidaturas impedidas pela lei da Ficha Limpa, que impede o político condenado por órgãos colegiados de disputar cargos eletivos. Chefe da Controladoria Geral da União (CGU) no Ceará, Luiz Fernando Menescau de Oliveira, se diz otimista. “Nossos valores enquanto sociedade estão sendo aprimorados. A evolução ocorre num ritmo lento. Mas a lei Ficha Limpa é uma excelente novidade. Os resultados vão acontecer a longo prazo”, acredita.

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