
Num jogo de cartas marcadas, as licitações de obras e serviços no
Interior se tornaram alvo fácil de empresas fraudulentas que seduzem
gestores e servidores municipais. O resultado é corrupção,
enriquecimento ilícito e manutenção do poder. A empresa libera os
pagamentos concedendo a nota fiscal por serviços não prestados – ou mal
prestados, ou ainda realizados por servidores do próprio Município.
O rombo nos cofres públicos pode se originar na contratação irregular
da empresa que fornece a merenda escolar, realiza o transporte dos
estudantes de escolas municipais, aluga veículos, terceiriza serviços. O
mesmo método é repetido não apenas por um, mas por vários esquemas de
corrupção apontados e investigados pela Procuradoria dos Crimes contra a
Administração Pública (Procap), do Ministério Público Estadual (MPE),
em parceria com órgãos controladores estaduais e federais.
Nos últimos dois anos, a Procap denunciou esquemas de corrupção que
afetaram pelo menos sete gestões municipais e repercutem até hoje. “A
fraude em processo licitatório é a porta de entrada para o cofre onde
está o dinheiro público”, assevera o promotor Luiz Alcântara, membro da
Procap. As investigações têm apontado que o dinheiro desviado está na
conta privada de gestores, parentes de gestores e empresas pertencentes a
gestores.
Causas
Mais uma vez, as prefeituras estão no centro das denúncias de
corrupção. Segundo os órgãos controladores, há várias explicações para
isso. O chefe da Controladoria Geral da União no Ceará, Luiz Fernando
Menescau de Oliveira, afirma ter a convicção de que o momento atual,
com tantas denúncias de corrupção, reflete maior envolvimento da
população, mais transparência, maior acesso aos órgãos controladores e
maior engajamento desses órgãos.
Ele reforça a importância da sinergia, que ultrapassa as dificuldades
estruturais e segue um plano estratégico pra combater a corrupção. “Cada
órgão tem sua expertise. O Ministério Público Estadual (MPE) aciona a
Justiça, mas precisa de ajuda no que tange às fiscalizações. Nós, da
CGU, podemos fiscalizar recursos federais. Já a Polícia Federal faz
levantamentos e investigações. O trabalho está sendo mais efetivo”,
argumenta.
Ele elogia o trabalho do Tribunal de Contas dos Municípios, (TCM) que
disponibilizou a ferramenta do Portal da Transparência a todos os
municípios. “Se temos mais informações, mais transparência, é natural
que se encontrem mais problemas relacionados às contas públicas”.
Para ele, o cenário atual revela também mudança de mentalidade. “Sem
dúvida, temos hoje o Judiciário acompanhando a evolução das demais
instituições, cada vez mais preocupado com os anseios da sociedade”,
comemora.
Além do que já foi descoberto, há diversas investigações em andamento. Muito mais coisas estão por vir à tona.
OS RALOS POR ONDE ESCORRE O DINHEIRO
CORRUPÇÃO ALIMENTA CAIXAS DE CAMPANHAS POLÍTICAS
Imagine um município que paga altos valores por serviço de transporte escolar que não é prestado. A empresa venceu a licitação, mas não é proprietária de qualquer veículo. O trabalho não é realizado, mas a nota fiscal é fornecida e o pagamento é efetuado.
Na prática, os veículos que executam os serviços são de pessoas da
comunidade, indicadas pelo próprio gestor, que conduzem as crianças em
paus-de-arara. A situação não é rara e foi constatada pela Procuradoria
dos Crimes contra a Administração Pública (Procap).
Além do desvio de dinheiro público, os promotores explicam que a pessoa
que faz o transporte no pau-de-arara sente gratidão pelo gestor que o
indicou para fazer o serviço. Às vezes, trata-se da única renda da
família. O voto é garantido. “O gestor tem, perversamente, o cabresto,
porque faz da população dependente dessa renda”, diz o promotor Eloilson
Augusto da Silva Landim, da Procap.
Segundo ele, são essas administrações que garantem os votos que elegem
deputados e senadores. “São votos encabrestados que levam até o Senado,
Câmara Federal e Assembleia Legislativa ilustres desconhecidos”,
argumenta Landim.
Ele afirma ainda que essa avalanche de corrupção se dá em razão do
sistema eleitoral brasileiro, no qual o candidato precisa de dinheiro
para se eleger. “Aí vem a discussão do financiamento público ou não de
campanha. Talvez saia mais barato. Na hora que você tem um gasto privado
para que alguém se eleja, esse prejuízo vai ter que ter retorno”,
defende.
Caixa dois
O promotor Ricardo Rocha explica que todo esse caixa dois vem sendo
formado aos poucos. Ele cita uma operação que apreendeu cerca de R$ 3,5
milhões juntos. “Os envolvidos vão juntando para usar exatamente na
campanha”. O promotor Luiz Alcântara reforça a fragilidade do sistema
eleitoral. Pelas investigações que vêm sendo realizadas, ele identifica
que há aumento na contratação de empresas em período pré-eleitoral. Mas
isso não significa que em outros períodos eles não estejam alinhados
em arrecadar recursos para as campanhas. “A mentalidade é se perpetuar o
maior tempo possível. Se é possível permanecer oito anos, vai
permanecer”, explica.
Nesse ponto, Alcântara questiona a vinculação política com um serviço
transporte de péssima qualidade, com a formação de caixa dois, com
esquema de corrupção e vai além. “Nas nossas investigações, em algumas
circunstâncias, nós identificamos que essas pessoas (proprietários de
empresas fraudulentas), que em alguns casos são presas, são doadoras de
campanha de alguns ilustres investigados que sempre se declaram
inocentes e desconhecedores dos fatos”, sustenta o promotor.
Segundo os membros da Procap, todas essas investigações podem resultar
em candidaturas impedidas pela lei da Ficha Limpa, que impede o
político condenado por órgãos colegiados de disputar cargos eletivos.
Chefe da Controladoria Geral da União (CGU) no Ceará, Luiz Fernando
Menescau de Oliveira, se diz otimista. “Nossos valores enquanto
sociedade estão sendo aprimorados. A evolução ocorre num ritmo lento.
Mas a lei Ficha Limpa é uma excelente novidade. Os resultados vão
acontecer a longo prazo”, acredita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário