Desde o final de maio, jovens de todo país têm usado as redes sociais para denunciar violências sexuais e de gênero com a hashtag "exposed" seguida do nome da cidade em que vivem. Há relatos de estupro, assédio sexual (inclusive por parte de professores) e importunação sexual, entre outras denúncias de abusos aos quais elas foram submetidas.
"Exposed" é um termo usado no meio virtual para, justamente, expor um caso ou uma pessoa que cometeu um abuso mas que, até então, se mantinha em segredo. Vítimas de diferentes cidades brasileiras, entre elas São Paulo, Curitiba, Aracaju e Campo Grande, já postaram seus relatos.
Segundo especialistas ouvidas por Universa, uma ação conjunta como essa pode dar mais força para a mulher fazer uma denúncia formal — ou ainda, ao ver que outras pessoas passaram pelo mesmo e receber mensagens de apoio, a atitude pode ajudar a vítima a começar a trilhar o caminho para superar o trauma.
Elas ressaltam, porém, que dependendo da maneira como o relato for feito pode haver margem para abertura de um processo nas esferas civil ou criminal contra a pessoa que relatou — mesmo que ela tenha provas do crime que sofreu. "É importante que a denúncia nas redes sociais seja feita de acordo com ditames legais para que a situação não se inverta e a vítima não vá para o banco dos réus", explica Andressa Cardoso, advogada criminalista, pós-graduada em direito público e violência doméstica e especialista em direito das mulheres.
A seguir, veja orientações das advogadas consultadas por Universa para fazer um relato nas redes sociais e se proteger legalmente:
"Essa é a primeira orientação para proteger a sobrevivente de violência. Se postar com nome, muito provavelmente vai sofrer processo tanto criminal quanto cível, que são meios usados para silenciá-la", explica Mailô Andrade, advogada do Instituto Maria da Penha e doutoranda em direito penal pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). "Escreva da maneira mais genérica possível."
Após a repercussão dos "exposed", Mailô criou um guia para orientar as vítimas na divulgação de casos de relacionamento abusivo com o intuito de protegê-las. "A postagem envolve uma série de riscos, mas, ao tirar o nome, você já consegue reduzi-los", salienta.
Segundo a advogada, existem dois crimes "contra a honra" que podem ser investigados a partir de uma postagem em que há identificação do agressor. "De calúnia, quando imputa o falso cometimento de crime [só é considerado verdadeiro se a o denunciado já tiver sido considerado culpado pela Justiça], e de difamação, quando há atribuição de um fato desonroso", explica. Também pode haver um processo civil exigindo indenização por dano moral.
Dessa maneira, você terá mais argumentos para se proteger de uma acusação de calúnia e difamação. "Para um ato ser caracterizado como crime, precisa ser provada uma vontade específica. Se o seu relato estiver calcado em narrar uma violência, e não em difamar alguém, não haverá crime", explica Mailô.
Ela conta que vê outras jovens se mobilizando da mesma maneira, com colegas do lugar em que estudam. E dá orientações específicas nesses casos. "Você pode falar em qual instituição ocorreu e o que aconteceu, mas tente não dar detalhes suficientes que possam levar a um professor específico. Por exemplo, não citando a disciplina."
No caso dessas alunas, Andressa conta que a maioria dos relatos é de assédio sexual. "O professor condicionava aumento de nota a um benefício dado pelas alunas", explica.
Nesses casos, explica Mailô, em se tratando de um ex-namorado ou ex-marido, a vítima pode tirar prints das mensagens ameaçadoras ou gravar conversas, fazer um registro de ocorrência e pedir uma medida protetiva contra ele, ação prevista na Lei Maria da Penha.
"Essa medida protetiva inclui não se aproximar e não entrar em contato, por nenhum meio, e prevê resguardar a integridade física e psicológica da mulher", explica. "E, se a pessoa descumprir, vai presa, justamente para coagir o denunciado a não procurá-la."
Além disso, ela aconselha as mulheres a se informarem antes de fazer uma postagem: procurar orientações de advogadas e de coletivos nas redes sociais podem ajudar. E é de graça. "Inclusive, tenho recebido várias consultas nesse sentido no meu Instagram."
"Em tese, não há uma proibição legal que impeça alguém de postar um relato que enfatize uma violência que sofreu. Não é proibido, mas tem que fazer dentro dos limites que não infrinjam a lei", diz Mailô. "Por isso, retirar o post é só em último caso, com a ordem judicial, que só é conseguida por meio de um processo."
"Esse movimento de denúncia nas redes sociais é muito importante. Alguns profissionais do direito falam para vítima não se expor, mas não concordo. Percebo que isso cria uma mobilização, elas encontram uma rede de apoio que ajuda no enfrentamento à violência. O rompimento do silêncio em si é importante porque é uma dor forte e intensa que elas vivem", diz.
Também acredita que podem surtir resultados práticos. "Algumas denúncias que vão para a mídia recebem um andamento mais rápido nas delegacias porque há pressão popular, as pessoas começam a falar sobre. Além disso, há relatos que podem gerar uma ação penal pública incondicionada por parte do Ministério Público, ou seja, casos que não dependem da denúncia formal da vítima para que seja aberta uma investigação", explica Andressa.
A despeito sobre abusos e assédios, MP do ceará recebeu várias denúncias de abusos sexuais cometidos em escolas e universidade de Juazeiro do Norte
Após uma série de relatos de vítimas que afirmam ter sofrido abuso sexual no Cariri, o Ministério Público Estadual instaurou procedimento extrajudicial para apurar os fatos. O MPCE informou ter requisitado a instauração de um inquérito policial na Delegacia de Defesa da Mulher de Juazeiro do Norte para investigar os casos.
Alunas de escolas e universidade dos municípios de Juazeiro do Norte e Crato publicaram relatos acerca dos crimes. As denúncias ganharam força nas redes sociais com uso da hashtag #ExposedCariri. Os principais suspeitos são professores e funcionários dos estabelecimentos de ensino.
O MPCE observou os relatos e disse ter percebido crimes como importunação sexual, assédio sexual e estupro de vulnerável. As práticas vinham acontecendo em, pelo menos, cinco escolas e uma universidade. Há queixas de assédios ocorridos em estabelecimentos particulares e públicos.
Denúncia
O promotor de Justiça Leonardo Marinho destaca a importância das vítimas procurarem as autoridades: “Essa medida é necessária para que possamos analisar os relatos, analisar os fatos e analisar as provas que porventura possam existir. Somente com a contribuição da vítima podemos dar ensejo a um processo legal para tentar responsabilizar todos os criminosos”, disse.
A Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Ceará (OAB-CE) emitiu nota pública manifestando repúdio aos abusos sexuais sofridos pelas vítimas que expuseram os crimes na #ExposedCariri.
“As denúncias devem ser oficializadas para que os criminosos saiam dessa zona de conforto achando que podem continuar estuprando e cometendo quaisquer outros crimes de natureza sexual, permanecendo impunes”, conforme trecho da nota.
"Exposed" é um termo usado no meio virtual para, justamente, expor um caso ou uma pessoa que cometeu um abuso mas que, até então, se mantinha em segredo. Vítimas de diferentes cidades brasileiras, entre elas São Paulo, Curitiba, Aracaju e Campo Grande, já postaram seus relatos.
Segundo especialistas ouvidas por Universa, uma ação conjunta como essa pode dar mais força para a mulher fazer uma denúncia formal — ou ainda, ao ver que outras pessoas passaram pelo mesmo e receber mensagens de apoio, a atitude pode ajudar a vítima a começar a trilhar o caminho para superar o trauma.
Elas ressaltam, porém, que dependendo da maneira como o relato for feito pode haver margem para abertura de um processo nas esferas civil ou criminal contra a pessoa que relatou — mesmo que ela tenha provas do crime que sofreu. "É importante que a denúncia nas redes sociais seja feita de acordo com ditames legais para que a situação não se inverta e a vítima não vá para o banco dos réus", explica Andressa Cardoso, advogada criminalista, pós-graduada em direito público e violência doméstica e especialista em direito das mulheres.
A seguir, veja orientações das advogadas consultadas por Universa para fazer um relato nas redes sociais e se proteger legalmente:
1. Evite informações que possam identificar o agressor
Evite publicar nomes, dados pessoais do agressor ou informações que possam identificá-lo."Essa é a primeira orientação para proteger a sobrevivente de violência. Se postar com nome, muito provavelmente vai sofrer processo tanto criminal quanto cível, que são meios usados para silenciá-la", explica Mailô Andrade, advogada do Instituto Maria da Penha e doutoranda em direito penal pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). "Escreva da maneira mais genérica possível."
Após a repercussão dos "exposed", Mailô criou um guia para orientar as vítimas na divulgação de casos de relacionamento abusivo com o intuito de protegê-las. "A postagem envolve uma série de riscos, mas, ao tirar o nome, você já consegue reduzi-los", salienta.
Segundo a advogada, existem dois crimes "contra a honra" que podem ser investigados a partir de uma postagem em que há identificação do agressor. "De calúnia, quando imputa o falso cometimento de crime [só é considerado verdadeiro se a o denunciado já tiver sido considerado culpado pela Justiça], e de difamação, quando há atribuição de um fato desonroso", explica. Também pode haver um processo civil exigindo indenização por dano moral.
2. Foque o relato em você e no seu sofrimento
Ao escrever sobre o que aconteceu, foque a o relato em você: conte o que fizeram contigo, o que você sentiu e como a violência sofrida a traumatizou (por exemplo, se teve crises de ansiedade ou depressão).Dessa maneira, você terá mais argumentos para se proteger de uma acusação de calúnia e difamação. "Para um ato ser caracterizado como crime, precisa ser provada uma vontade específica. Se o seu relato estiver calcado em narrar uma violência, e não em difamar alguém, não haverá crime", explica Mailô.
3. Em caso de assédio na escola, você pode citar o nome da instituição
Andressa conta que recebeu pedidos de orientações de alunas do Ceará, que denunciaram, nas redes sociais, um professor de uma instituição de ensino do Ceará.Ela conta que vê outras jovens se mobilizando da mesma maneira, com colegas do lugar em que estudam. E dá orientações específicas nesses casos. "Você pode falar em qual instituição ocorreu e o que aconteceu, mas tente não dar detalhes suficientes que possam levar a um professor específico. Por exemplo, não citando a disciplina."
No caso dessas alunas, Andressa conta que a maioria dos relatos é de assédio sexual. "O professor condicionava aumento de nota a um benefício dado pelas alunas", explica.
4. Se for ameaçada, procure a Lei Maria da Penha
Ainda que não haja processo na Justiça contra a vítima, pode acontecer de ela ser pressionada e ameaçada pelo agressor a tirar a postagem do ar. Ameaças que, inclusive, consideram cometer uma nova agressão.Nesses casos, explica Mailô, em se tratando de um ex-namorado ou ex-marido, a vítima pode tirar prints das mensagens ameaçadoras ou gravar conversas, fazer um registro de ocorrência e pedir uma medida protetiva contra ele, ação prevista na Lei Maria da Penha.
"Essa medida protetiva inclui não se aproximar e não entrar em contato, por nenhum meio, e prevê resguardar a integridade física e psicológica da mulher", explica. "E, se a pessoa descumprir, vai presa, justamente para coagir o denunciado a não procurá-la."
5. Um registro de ocorrência também é uma maneira de se proteger
Mailô orienta que, se possível, a mulher faça um boletim de ocorrência antes de uma postagem nas redes sociais. "Muito embora o valor legal do documento seja apenas de registro, e não de prova, você já está dizendo para a polícia que quer que seja feita uma investigação formal no caso", explica.Além disso, ela aconselha as mulheres a se informarem antes de fazer uma postagem: procurar orientações de advogadas e de coletivos nas redes sociais podem ajudar. E é de graça. "Inclusive, tenho recebido várias consultas nesse sentido no meu Instagram."
6. Não retire o post do ar, a menos que exista uma ordem judicial
Mesmo que seja coagida a retirar a postagem, você não precisa retirá-la a menos que exista uma ordem judicial exigindo isso."Em tese, não há uma proibição legal que impeça alguém de postar um relato que enfatize uma violência que sofreu. Não é proibido, mas tem que fazer dentro dos limites que não infrinjam a lei", diz Mailô. "Por isso, retirar o post é só em último caso, com a ordem judicial, que só é conseguida por meio de um processo."
7. Não deixe de postar sua história se sentir que isso pode ajudá-la
A advogada Andressa Cardoso salienta que as orientações não devem ser vistas como uma maneira de coagir a vítima a não publicar um relato. Pelo contrário, a ideia é protegê-la para que não seja revitimizada. Ela ainda vê vários pontos positivos nas postagens coletivas."Esse movimento de denúncia nas redes sociais é muito importante. Alguns profissionais do direito falam para vítima não se expor, mas não concordo. Percebo que isso cria uma mobilização, elas encontram uma rede de apoio que ajuda no enfrentamento à violência. O rompimento do silêncio em si é importante porque é uma dor forte e intensa que elas vivem", diz.
Também acredita que podem surtir resultados práticos. "Algumas denúncias que vão para a mídia recebem um andamento mais rápido nas delegacias porque há pressão popular, as pessoas começam a falar sobre. Além disso, há relatos que podem gerar uma ação penal pública incondicionada por parte do Ministério Público, ou seja, casos que não dependem da denúncia formal da vítima para que seja aberta uma investigação", explica Andressa.
A despeito sobre abusos e assédios, MP do ceará recebeu várias denúncias de abusos sexuais cometidos em escolas e universidade de Juazeiro do Norte
Após uma série de relatos de vítimas que afirmam ter sofrido abuso sexual no Cariri, o Ministério Público Estadual instaurou procedimento extrajudicial para apurar os fatos. O MPCE informou ter requisitado a instauração de um inquérito policial na Delegacia de Defesa da Mulher de Juazeiro do Norte para investigar os casos.
Alunas de escolas e universidade dos municípios de Juazeiro do Norte e Crato publicaram relatos acerca dos crimes. As denúncias ganharam força nas redes sociais com uso da hashtag #ExposedCariri. Os principais suspeitos são professores e funcionários dos estabelecimentos de ensino.
O MPCE observou os relatos e disse ter percebido crimes como importunação sexual, assédio sexual e estupro de vulnerável. As práticas vinham acontecendo em, pelo menos, cinco escolas e uma universidade. Há queixas de assédios ocorridos em estabelecimentos particulares e públicos.
O promotor de Justiça Leonardo Marinho destaca a importância das vítimas procurarem as autoridades: “Essa medida é necessária para que possamos analisar os relatos, analisar os fatos e analisar as provas que porventura possam existir. Somente com a contribuição da vítima podemos dar ensejo a um processo legal para tentar responsabilizar todos os criminosos”, disse.
A Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Ceará (OAB-CE) emitiu nota pública manifestando repúdio aos abusos sexuais sofridos pelas vítimas que expuseram os crimes na #ExposedCariri.
“As denúncias devem ser oficializadas para que os criminosos saiam dessa zona de conforto achando que podem continuar estuprando e cometendo quaisquer outros crimes de natureza sexual, permanecendo impunes”, conforme trecho da nota.
Nenhum comentário:
Postar um comentário