segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Bolsa Família, o maior colégio eleitoral do Brasil

Usuários do Bolsa Família em Salvador buscam informações sobre bloqueio inexplicado do benefício em 2008
Usuários do Bolsa Família em Salvador buscam informações sobre bloqueio inexplicado do benefício em 2008 (Welton Araújo/Agência A Tarde/AE/VEJA)
“Quem de vocês aqui gosta do Bolsa Família levanta a mão?”, brada ao microfone, do alto de um palanque improvisado, o senador Lobão Filho, candidato do PMDB ao governo do Maranhão, na pequena cidade de Barra do Corda (85.000 habitantes). A plateia reagiu imediatamente com os braços estendidos. O candidato continuou: “Isso me preocupa, porque os nossos adversários estão unidos a Aécio Neves, que já disse em todos os jornais e todas as emissoras de TV que é contra o Bolsa Família".
Filho do ministro Edison Lobão (Minas e Energia), que orbita o petismo como representante de José Sarney há anos, o candidato peemedebista convive com Aécio Neves no Senado. Os dois são colegas. O peemedebista sabe que o tucano nunca se opôs ao programa – pelo contrário, é de Aécio a proposta para transformar o programa em política permanente de Estado. Mas, nos grotões do Brasil, Lobão Filho utiliza um discurso convenientemente falso. Mesmo um candidato ligado à oligarquia recorre ao discurso de que os seus concorrentes são inimigos do povo por causa de uma oposição fictícia ao programa.
Nas últimas semanas, os candidatos a presidente (especialmente Dilma Rousseff) intensificaram as viagens a São Paulo para tentar conquistar a simpatia do eleitor paulista. A razão é óbvia: o Estado tem 32 milhões de votos, o maior número de eleitores entre as unidades da federação. Mas, na disputa deste ano, também está em jogo um "colégio eleitoral" muito mais poderoso – e leal: o dos beneficiados pelo Bolsa Família. São aproximadamente 40 milhões de eleitores, espalhados pelas 14,2 milhões de famílias que recebem o benefício. Esse grupo tende a votar na candidata petista com uma fidelidade incomparável. E, claro, essa arma é utilizada à exaustão Brasil afora, especialmente longe dos holofotes.
Neste ano, a Bahia foi a que mais recebeu repasses do governo federal no programa Bolsa Família: 1,36 bilhão de reais, segundo o Portal da Transparência do governo federal. As maiores cidades do estado são as principais beneficiárias: Salvador, com 113,8 milhões de reais neste ano, Feira de Santana, com 29,2 milhões de reais, e Vitória da Conquista, com 21,9 milhões de reais. 
Há mais beneficiários do programa na Bahia do que em São Paulo, cuja população é três vezes vezes maior. Mais em Pernambuco do que em Minas Gerias. Mais no Maranhão do que no Rio de Janeiro. Isso ajuda a explicar por que o Nordeste se transformou em uma quase intransponível fortaleza eleitoral do petismo. Em 2014, até agora, o governo destinou 10,5 bilhões de reais ao programa. 
Jailza Barbosa, 33, desempregada, moradora do bairro Cajazeiras, em Salvador, tem dois filhos, de 10 e 15 anos, e recebe 134 reais por mês. “O candidato em que eu vou votar é o do partido que me ajuda por causa do Bolsa Família. Não sei o nome dele, mas já estava com isso na cabeça. O programa é muito bom porque me ajuda e é a única renda que eu tenho hoje”, diz.
O número de beneficiários só tem aumentado: em 2004, eram 6,6 milhões de famílias atendidas. A elevação desde então foi de 215%, muito acima do crescimento vegetativo na população – e se deu num período em que, segundo o governo, dezenas de milhões de pesoas deixaram a pobreza. Os números ajudam a entender o que é fácil de constatar in loco.
Na cidade Central do Maranhão, onde Dilma teve 96% dos votos em 2010, é difícil encontrar alguém que saiba quais são os adversários da presidente Dilma Rousseff. E a razão principal para o apoio incondicional à petista, seja qual for o oponente, é apresentada pelos próprios eleitores. Como o lavrador Carlos Azevedo: “Para mim, a candidata é a Dilma. A gente tem medo de tirarem o Bolsa Família”, diz ele, ao lado da mulher, a dona-de-casa Marinete Viana. Ela diz ter visto na televisão a informação de que os adversários da presidente colocariam fim ao programa.
"Não me interessa saber quem são os outros candidatos", declara Claudilene Melo, que trabalha como doméstica mas também recebe o Bolsa Família.
O cenário eleitoral deve acentuar a importância do Bolsa Família para a candidatura de Dilma Rousseff. A trágica morte do candidato Eduardo Campos e a possível entrada de Marina Silva na disputa devem acentuar, por um lado, a vantagem de Dilma no Nordeste (onde Campos era mais popular) e, por outro lado, tirar votos da petista nas grandes cidades (onde Marina tem um eleitorado mais forte). Como consequência, a tendência é que o PT se encastele ainda mais no Nordeste, onde estão 52% dos beneficiados pelo Bolsa Família (a região tem apenas 27,7% da população brasileira).
"O governo vai se fiar nesses programas de transferência de renda, porque a gerência macroeconômica é débil, a inflação é crescente, o crescimento econômicio tem sido pífio", diz o professor Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas.
O efeito do Bolsa Família nas eleições de 2006 e 2010 foi objeto da análise de pesquisadores do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). Conclusão: havia uma forte correlação entre o voto no PT e a participação no programa do governo.
Independentemente da postura dos adversários de Dilma Rousseff, a maior parte dos eleitores que recebem o Bolsa Família não arrisca apoiar aquilo que veem como uma aposta duvidosa. Para o jogo democrático, o efeito é desastroso. Se o único critério na escolha do candidato é o Bolsa Família, o eleitor vota sem levar em conta outros temas essenciais, como as políticas para saúde, segurança e o combate à corrupção. “É como se nós tivéssemos voltando para o século XIX, com os currais eleitorais fechados”, diz o professor José Matias-Pereira, da UnB.
Como o número de beneficiários do Bolsa Família cresce continuamente, é cada vez maior o contingente de eleitores que escolhe seu candidato presidencial apenas com base no receio de perder o pagamento mensal. “O coronel local está sendo substituído pelo coronel federal. Mas o padrão é o mesmo: o modelo patrimonialista onde indivíduo usa os bens do estado para se beneficiar politica ou em benefício próprio”, afirma o professor da UnB.

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