sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Eleições, que eleições?


Eleições (Foto: Arquivo Google)
Reduzir o prazo das campanhas eleitorais que sujam as ruas e o tempo da propaganda gratuita que altera o horário da novela na TV pode parecer muito bom, coisa de país civilizado, escandinavo mesmo. Limitar o volume de gastos e proibir as doações empresariais, fechando uma das torneiras da corrupção, também são, à primeira vista, medidas corretas e moralizadoras. Mas será que, na prática tupiniquim, é bem assim? A pouco mais de vinte dias das eleições municipais, pouca gente está se lembrando delas - e não apenas porque ocorrem na sequência da primeira olimpíada realizada no país e de uma crise política que resultou no segundo impeachment presidencial em menos de 25 anos. O pleito de 2016 tem grandes chances de passar à história como a eleição esquecida, aquela que menos mobilizou e provocou reflexão no eleitorado, justamente no momento em que o sistema político, exaurido e desgastado, mais precisa disso para mudar.
Nos municípios do país, incluindo as grandes capitais, pouca gente está se lembrando que irá às urnas em 2 de outubro para escolher prefeito e vereador. Não se vê um mísero plástico nos carros, os debates têm baixa audiência, as conversas no botequim e nas mesas familiares ainda giram em torno de outros assuntos. A maior demonstração da temperatura ainda gelada das campanhas a pouco mais de três semanas do pleito é a pouca mobilidade do quadro de candidatos.
Nas principais capitais, pelo menos, quem já estava na frente desde sempre lá continua, com boas chances de pegar a primeira vaga do segundo turno - caso de Celso Russomano, em São Paulo, e Marcelo Crivella, no Rio, ambos do universal PRB. São candidatos bons de saída, conhecidos do público, mas que costumavam ser desidratados ao longo das disputas. O que pode não ocorrer desta vez, já que, na redução de 90 para 45 dias do prazo de campanha, restou pouco tempo para movimentos de construção e desconstrução de candidaturas e para a gangorra dos ataques e defesas que, ao fim e ao cabo, levavam o distinto público a conhecer melhor cada um e pesar prós e contras em sua escolha.
Agora é tudo muito rápido, e confirma-se a vantagem, como já dissemos aqui certa vez, dos ricos e famosos. Os mais conhecidos, como radialistas e comunicadores, além dos que disputam a reeleição, saíram mesmo na frente, e os desconhecidos dificilmente terão tempo para alcançá-los. A redução do programa eleitoral diário para dez minutos, retalhados entre todos os partidos, só favorece legendas grandes e candidatos do establishment, únicos com tempo suficiente para dizer seu nome inteiro e mandar uma mensagem que tenha lé com cré.
Em São Paulo, por exemplo, a candidata do PSOL mal tem tempo de pronunciar as palavras Luiza e Erundina em seu programa (?) na TV. As inserções, comerciais de 30 ou 60 segundos durante a programação, têm seu impacto quando feitas por bons marqueteiros - que só os que têm dinheiro podem ter -, mas não são, nem nunca serão,  instrumento adequado para apresentar e debater propostas para as cidades, nem por parte dos endinheirados e nem dos pobretões.
A proibição de doações empresariais, junto com a permissão de que candidatos usem seus próprios recursos, está se mostrando uma combinação fatal para muitos, já que, obviamente, beneficia os ricos. Caso, por exemplo, do tucano João Dória em São Paulo, onde é empresário abonado e candidato do governador Geraldo Alckmin. Não por acaso, pesquisas mostram que, do início da campanha para cá, ele parece ser o único candidato do segundo pelotão que disputa a segunda vaga do segundo turno que está crescendo.
Mais: a modificação nas regras do financiamento, sem se fazer acompanhar por mudanças profundas no sistema partidário e eleitoral - a tal da reforma política que ninguém nunca tem coragem de fazer - está, como se esperava, fazendo surgir as mais criativas formas de se burlar a lei. O TCU e o Ministério Público já identificaram doações em nome de pessoas mortas e de beneficiários do Bolsa Família, uso de funcionários públicos como intermediários de partidos e empresas e numerosos casos de caixa 2. Imagine-se o número de recursos questionando candidaturas e, mais adiante, prefeitos e vereadores que serão impugnados após a eleição.
Vai ficando claro que a nova lei eleitoral não passou no teste e terá que ser revista para 2018. Pior ainda é a oportunidade que o país pode perder em meio à crise que já derrubou uma presidente da República, pressiona seu sucessor, pede ao Congresso que tenha juízo e mantém manifestantes nas ruas, como vimos nas comemorações do 7 de setembro nesta quarta. É muito provável, quase certo, que manifestações e eleições se encontrem em algum ponto do caminho.
Em momentos delicados assim, banhos de urna sempre representam solução, ainda que apenas no âmbito municipal. O voto consciente é o começo de tudo, a origem da  solução, o primeiro e importantíssimo passo para mudanças profundas. Essa escolha, porém, só é legítima e resultado de uma verdadeira reflexão quando as regras do jogo garantem isonomia aos candidatos e transparência aos eleitores - o que, lamentavelmente, não é bem o caso atual.
Por Helena Chagas

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