Dilma, a inflação e o ovo no prato do povo
As campanhas eleitorais, especialmente quando há uma disputa tão acirrada quanto a atual, podem ter desdobramentos imprevisíveis. Muitas vezes, o ataque de um candidato a outro acaba se voltando contra ele próprio depois. Foi o que aconteceu com a candidata Dilma Rousseff e seu marqueteiro João Santana, o guru do PT, responsável, em boa medida, pelas campanhas sujas e mentirosas desenvolvidas pelo partido contra seus adversários nos últimos pleitos.
No primeiro turno, Santana inventou que iria faltar comida no prato do povo se a proposta de independência do Banco Central, defendida por Marina Silva, fosse adotada no país. Com isso, além de “plantar” uma tremenda mentira, Santana deu uma contribuição “inestimável” para a desinformação popular a respeito do real significado da proposta. Para dar um tom mais apocalíptico à acusação e criar uma atmosfera de pavor entre os mais pobres que apoiavam Marina, ele montou um cenário bucólico, reunindo uma família pobre em torno de uma mesa na hora da refeição.
Agora, porém, no segundo turno, o feitiço está virando contra o feiticeiro. Só que, em vez de Marina, derrotada no primeiro turno, quem está se beneficiando disso é o candidato da oposição, Aécio Neves. Para dar o troco em Dilma e em seu marqueteiro, Aécio nem precisou recorrer a mentiras ou a malabarismos do mal. Aproveitando-se de uma declaração infeliz feita pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, que sugeriu ao povo comer ovo e frango, para fugir dos altos preços da carne, Aécio está “nadando de braçada”, como se diz por aí. Ao contrário da proposta de Marina, que, segundo João Santana, iria trazer efeitos negativos no futuro, a sugestão desastrada de Holland refere-se a um fenômeno que está acontecendo hoje, afetando de forma dramática o cardápio das famílias em todo o país. Diante da afirmação de Holland, um escudeiro fiel de Dilma e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, é difícil não perguntar: quem, afinal, está tirando a comida do prato do povo?
O episódio revela como a inflação fugiu do controle no atual governo e está afetando o bolso do povão e da classe média do país. Embora a inflação seja hoje efetivamente menor do que aquela que o ex-presidente Fernando Henrique entregou a Lula em 2002, é preciso levar em conta o contexto das coisas. Naquela época, como a maioria dos brasileiros deve lembrar, a inflação estava em alta em função da instabilidade provocada entre os empresários e investidores, do país e do exterior, pelo crescimento de Lula nas pesquisas eleitorais e pela perspectiva concreta de ele vencer o pleito. Agora, nada parecido está acontecendo. Ao contrário. A inflação de hoje é resultado exclusivo da política monetária relapsa promovida por Dilma nos primeiros anos de seu governo. O problema é que, no final, quem paga o preço somos todos nós, quando vamos ao supermercado fazer as compras da semana ou do mês.
Por que o discurso do "nós contra eles" que pretende dividir a população brasileira empobrece o debate e representa um retrocesso para a sociedade
Josie Jerônimo (josie@istoe.com.br)
Nas últimas campanhas eleitorais, o PT desenvolveu uma prática nem um pouco republicana ao tentar dividir o eleitor brasileiro entre os de primeira e os de segunda categoria, como se poder aquisitivo ou Estado natal pudessem ter pesos diferentes na hora do voto. Essa simplificação grosseira está longe de refletir a complexa organização social do Brasil, empobrece a discussão sobre os problemas nacionais e menospreza um dos principais atributos do País: a sua unidade.
O recrudescimento desse discurso se deu durante o primeiro mandato de Lula, quando os petistas se viram ameaçados pelas denúncias do mensalão. Acuados pelas acusações, os petistas apostaram no discurso divisionista para não perder a eleição. Deu certo. Em 2006, Lula ganhou do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e, quatro anos depois, Dilma despachou o ex-ministro da Saúde José Serra. Nas duas ocasiões, prevaleceu o discurso das “elites” contra o “povo”, uma transposição para a realidade atual da velha luta de classes identificada por Karl Marx.
Ao lançar mão dessa estratégia, os petistas tentam carimbar a oposição como inimiga das conquistas da população, como se eles fossem os únicos na história a formular políticas que beneficiaram o povo. A releitura da luta de classes, porém, não corresponde ao conceito concebido por Karl Marx, segundo avaliação do sociólogo e pesquisador da Unicamp Daniel Martins. O estudioso afirma que o PT se apropriou de outro fenômeno para confrontar o PSDB no ambiente político. “No Brasil existe preconceito de classe, de regiões. O PT se apropriou de manifestações de preconceitos e criou esse discurso. Mas existem inconsistências”, afirma Martins. Ele lembra, por exemplo, que entre os apoiadores do PT está a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), presidente da CNA. “Não faz sentido essa retórica que distorce o debate”, lamenta. De fato, levada para as ruas, essa divisão entre uma legenda dos ricos e outra dos pobres, uma agremiação que defende os interesses do Sul e outra que representa o Norte pouco acrescenta ao eleitor interessado em conhecer as propostas dos candidatos e contribui para um racha inconcebível na sociedade brasileira.
Fotos: Hans von Manteuffel; Divulgação
Nenhum comentário:
Postar um comentário