O herói do PT vai voltar pra casa !
A página do PT no Facebook diz: FALTA POUCO - O "sofrimento" de José Genoino tem data para acabar. A audiência que vai formalizar a progressão de sua pena está marcada para terça-feira (12). Baseado no bom comportamento, e por ter cumprido um sexto da pena estipulada em quatro anos e oito meses, o ministro do #STF Luís Roberto Barroso autorizou que Genoino cumprisse prisão domiciliar.
Antigamente, os homens mandavam
costurar um paletó para usarem no casamento e em todas as ocasiões importantes
da vida. Atravessavam anos com o vestuário e, por fim, se enterravam com ele.
Meu pai se casou com um terno de linho diagonal branco, uma gravata e um lenço
de seda francesa, adereços bem sofisticados no nosso mundo sertanejo. Os filhos
cresceram vendo o paletó bem protegido num guarda-roupa, de onde saía apenas
nos eventos importantes, como as eleições. No Crato, era comum debocharem das
pessoas bem vestidas, perguntando se ela ia votar. Quanto significado atribuíam
ao voto.
Quando Jânio Quadros se elegeu, meu
pai, que era um udenista ferrenho, envergou seu paletó de linho e pôs um broche
dourado com uma vassourinha, símbolo de Jânio. O Novo presidente havia
prometido na campanha varrer todas as podridões da política nacional e acabar
com as brigas de galo. Nesse dia da vitória, meu pai chegou tarde em casa.
Ficara bebendo e conversando com os amigos. Enquanto comemoravam, um caminhão
desfilou pela cidade arrastando uma imensa vassoura fabricada com palha de
carnaúba, que levantou uma poeira dos infernos. Nosso vizinho de rua queimou
uma bateria de cem bombas. Um rebanho de gado, subindo ao matadouro para o
abate, assustou-se com o tiroteio e entrou no palácio do bispo. Foi o maior
alvoroço.
Eram os acontecimentos eleitorais. As
pessoas se ocupavam com eles por semanas. Os homens se reuniam na Praça
Siqueira Campos, depois do cinema, e esqueciam a hora de voltar para casa,
entretidos com a política. No Crato, os partidos de força eram a UDN e o PSD,
sendo o primeiro conservador e de direita. Havia o PTB, mas sua representação
era bem pequena. Também existiam comunistas, sempre misteriosos e cercados de
folclore. Somente depois do Golpe de 1964, quando assistimos alguns desses
militantes sendo presos, percebemos o quanto eles eram ingênuos e as forças de
repressão truculentas.
Nossa casa de esquina dava para um
pequeno bosque de eucaliptos, ipês e oitizeiros, mais tarde transformado num
parque municipal. Nos dias de votar, caminhões vindos do interior do município
descarregavam carrocerias de eleitores, gente transportada como se fosse gado.
Faziam parte de comunidades que nos habituáramos a chamar de currais
eleitorais. Os patrões, geralmente donos de engenho, escolhiam em quem eles
votariam. As chances de um candidato local eleger-se dependiam de quantos currais
ele possuía. Ganhavam-se esses ajuntamentos de votantes com promessas de
emprego e outros favores mais substanciais aos donos de terra e gente.
As pessoas recebiam envelopes com as
“chapas” prontas. As “chapas” eram papeis com o retrato e o nome do candidato.
O trabalho de votar consistia em depositar o envelope na urna. Adestravam os
analfabetos a escrever o nome próprio, numa garatuja quase sempre ilegível. A
maioria dos eleitores era analfabeta e a escolha do candidato em quem votar já
havia sido feita pelo patrão. Mudou a urna, tornou-se eletrônica, mas a
inconsciência de quem vota continua parecida. Os guias eleitorais sob controle
dos partidos poderosos e com mais aliados, garantindo um tempo maior no rádio e
na TV, se assemelha à voz do patrão. No fim, assistimos ao mesmo massacre.
Nenhum candidato fala o que verdadeiramente pensa, mas o que sugere o seu
marqueteiro. O compromisso com a verdade? O que é isso na política brasileira?
Os donos dos currais eleitorais, e do
outro tipo de gado, matavam um boi, que era cozido no bosque, debaixo das
árvores. Os eleitores enchiam a barriga, se arranchavam como romeiros,
sentiam-se importantes e bem tratados pelo menos um dia na vida. Pagavam a
regalia com o voto. Lembro que eles também usavam as melhores roupas, mas não
consigo imaginar onde essa gente matuta se aliviava das necessidades
fisiológicas. Talvez em alguma moita das proximidades. Por que isso me
preocupa? Apenas porque me lembrei que naquele tempo, como agora, o saneamento
básico é sempre uma promessa esquecida.
Meu pai vestia o paletó branco de linho
diagonal no dia da eleição. Ninguém dava nó em gravata melhor do que ele, um
perfeito Double Windsor. Será que ele também punha o lenço de seda francesa,
dobrado com um charme especial, deixando três ou quatro pontas aparecendo no
bolso da lapela? Fazia tudo isso apenas para votar, pois achava o voto uma
coisa séria. Ouvia, lia, pensava e escolhia. Papai errou muito nas suas
escolhas políticas. Mas como ele brigava por seus candidatos, acreditando nos discursos
falsos, nas promessas vazias. Como esperou que o Brasil melhorasse, se tornando
mais justo e igual. Nos últimos anos, deixou de vestir o paletó para votar.
Tornou-se meio debochado, indo às urnas com uma bermuda surrada. Imagino que
perdeu a fé no voto.
Ronaldo Correia de Brito, nasceu em
Saboeiro e viveu a infância e juventude em Crato. É escritor, médico e
dramaturgo
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